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[Rua Galvão Bueno, Liberdade, São Paulo (foto D.R.); abaixo: feirinha da Praça da Liberdade (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Primeiro porque domingos, a partir do final da tarde sobretudo, não são exatamente de minha predileção; segundo porque, graças ao sukiyaki, encontrei finalmente uma razão de peso — para lá do desejo súbito de comer um legítimo Melona, o picolé coreano de-li-ci-o-so de melão que virou uma espécie de mania paulistana anos atrás — para ir até à Liberdade num domingo.
O bairro, desde que se comemorou o centenário da imigração japonesa em 2008, melhorou em vários aspetos, mas, sejamos sinceros, continua a mesma (e não tão boa assim) bagunça de sempre. Gente a mais, vagas a menos (por isso, o metrô acaba sendo um bom recurso), lixo jogado no chão e, para quem não conhece bem, aquela dor de cabeça na hora de eleger um restaurante que valha realmente a pena.
Ainda assim, há qualquer coisa na Liberdade que me atrai. Talvez porque, como tão bem escreveu Bernardo Carvalho em O Sol se Põe em São Paulo, "a Liberdade é um desses bairros (...) que, embora em menor escala do que nas regiões mais ricas, e por isso mesmo de um modo às vezes até simpático, ressalta no mau gosto da sua rala fantasia arquitetônica o que a cidade tem de mais pobre e de paradoxalmente mais autêntico: a vontade de passar pelo que não é".
Há coisa de dois meses, veio parar em minhas mãos uma matéria providencial do jornal O Globo em que, precisamente, se sugeria um roteiro na Liberdade seguindo as dicas de um insider, no caso o chef emergente Thiago Sakamoto, do Shaya. Lendo, confirmei coisas que já sabia, tipo as comidinhas orientais da feirinha da Praça da Liberdade ou a paragem obrigatória na padaria Itiriki (rua Galvão Bueno, 24), famosa pelos pães e doces, mas também por seus sucos. Outras desconhecia e vou deixar para testar numa próxima oportunidade (já agora, para quem quiser, a matéria se encontra online aqui).
Sem surpresa, constatei que o sukiyaki da Liberdade não aparece citado na listinha "vale a pena" de Sakamoto. Não acredito ser o caso do jovem chef de ascendência nipônica, claro, mas não é raro encontrar apreciadores de comida japonesa que nunca ouviram falar, tão pouco degustaram o sukiyaki.
[O sukiyaki é preparado na mesa, à nossa frente, pelo garçom ou pelos próprios clientes para quem seu preparo não tem mais segredos (©joão miguel simões)] |
E é um prato aparentemente simples, mas, garanto, muito saboroso. A receita original remonta ao Japão medieval e rural, em que os camponeses tinham por hábito levar para o campo batatas doces que depois assavam com a ajuda de um rastelo (e sukiyaki quer dizer isso mesmo: assar com um rastelo). Com o tempo, como sempre acontece, eles foram agregando outros legumes, outros ingredientes e molhos, começando, inclusive, a utilizar as panelas de ferro na preparação do prato em datas festivas. E foi assim, parece, que o sukiyaki se tornou um prato para reafirmar laços familiares e afetivos, pois todos comiam da mesma panela.
[©joão miguel simões, todos os direitos reservados] |
Existem, óbvio, variações, mas, por regra, na tal panela entra filé migon fateado, folhas de acelga, cebola, moyashi (brotos de feijão), naga negui (mistura de cebolinhas), cogumelos Shiitake, itoh konhaku (macarrão de batata) e tofu; já no molho vai shoyu, saké e mirim.
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[©joão miguel simões, todos os direitos reservados] |
Na versão que costumo compartilhar com meus amigos no almoço fora de horas de domingo, o chamado sukiyaki especial, consigo distinguir pelo menos mais dois ingredientes: gema de ovo e kanikama. É um prato rápido, mas por fases — primeiro vai a carne, depois os vegetais e por ai vai — e em que boa parte do prazer está também em assistir à sua preparação na nossa frente.
[©joão miguel simões, todos os direitos reservados] |
É possível que existam outros endereços na Liberdade, mas costumo ir num velho Food Center que não tem erro, na rua da Glória. O lugar parece saído de um romance noir, com entrada por um pequeno e discreto prédio, sendo preciso depois subir por elevador até ao primeiro piso. Na sala 13, a Sukiyaki House.
[©joão miguel simões, todos os direitos reservados] |
A decoração é sem graça e clichê, como quase sempre tudo ali, mas, detalhe importante, não fazem cara feia quando chegamos para almoçar quase a meio da tarde e entre os clientes há sempre famílias inteiras de locais, o que não deve ser um mau sinal, certo?
À saída, não sobra apetite para muito mais, mas eu sempre arranjo maneira de deixar um pequeno espaço para a sobremesa, que tomo já rua. É, eu acabo não resistindo e na volta, antes de deixar a Liberdade, mato o desejo de picolé de melão. Até à próxima.
Rua da Glória, 111, sala 13, Liberdade, São Paulo, tel. (11) 3106 4067, seg., ter., qui. e sex., almoços entre as 11.30 e as 14.30 e jantares entre 18.00 e as 22.00; sáb., almoços entre as 11.30 e as 16.00 e jantares entre 18.00 e as 22.30; dom., entre as 11.30 e as 22h. Uma média de R$35 por pessoa.
E não é que estivemos na Liberdade no domingo à tarde? =)
ResponderEliminarDesde que chegamos a São Paulo, aliás, a Liberdade divide com a Av. Paulista o posto de passeio dominical por excelência. O bairro foi o primeiro lugar que visitamos após a mudança.
Nesta última ida batemos ponto, claro, na Itiriki. Depois de conhecer aquela padaria, não há como lhe ser indiferente, não é mesmo?
Você sabe que esse sukiyaki, de nome, não me é estranho? Vi as fotos mas não consegui associar muito bem a imagem à coisa. Mas isso é uma péssima característica minha: apesar de apreciar a culinária japonesa e ir a restaurantes do tipo com certa regularidade, sou péssimo para os nomes... =/
Mas vou anotar a dica e, pode esperar: mais pra frente, direi a você o que achei.
Abração!
PS: Você conhece a história do bairro da Liberdade? Recomendo. É muito interessante.
Vai sim, Leandro, pois vale a pena — porque é muito saboroso, porque não é caro (dá para dividir um especial por 3 a 4 pessoas, pedindo uns acompanhamentos à parte, e porque sempre vejo lá famílias de ascendência nipônica, o que deve ser bom sinal :)
ResponderEliminarConheço por alto a história do Bairro e tenho um certo fascínio por ele. Aliás, foi isso que me levou a descobrir aquele que é hoje um dos meus escritores brasileiros de eleição, o Bernardo Carvalho, que torna a Liberdade no cenário do seu romance "O Sol se Põe em São Paulo" — recomendo.
Obrigado pela tua visita, meu caro!
Uma ótica dica. Quem sabe em junho ou julho? :)
ResponderEliminarSerei o cicerone, com muito gosto :)
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