24.10.11

#gastronomia: taberna 474, petiscos portugueses em SP


[O primeiro ambiente da Taberna 474, que funciona mais como bar (foto de divulgação)]


Não há fome que não dê fartura.

Meses atrás, termos do português de Portugal como tasca ou taberna não tinham entrado no vocabulário dos paulistanos. Hoje, há quem ainda não tenha dado por elas, mas, comparadas aos botecos, já provaram que, mesmo tendo muito pouco de rústicas ou de modestas, a cozinha portuguesa, com seus petiscos e pratos de "résistence" devidamente revisitados, não é só bacalhau e não precisa ser servida apenas em ambiente senhorial (com altos preços a condizer).

[O restaurateur Ipe Moraes,a face mais visível da nova Taberna 474 (©tadeu brunelli)]

A mais recente de todas — até ver — responde pelo nome de Taberna 474 e fica quase na divisa com o bairro de Pinheiros, mas ainda no Jardim Paulistano, na esquina das ruas Sampaio Vidal e Maria Carolina. Inaugurou no dia 5 de Outubro, mas eu só fui conhecê-la há pouco mais de uma semana.

Com provas mais do que dadas na Adega do Santiago e no Bottagallo, o empresário Ipe Moraes é a face mais visível da taberna, que se divide em dois ambientes (um é mais bar, o outro é mais um comedor) e leva a assinatura de seu amigo Carlos Motta, que caprichou na madeira de peroba demolida e no ferro forjado para criar a ilusão de um casco de barco e imitar a informalidade de uma casa praiana.

A ideia pode parecer, à primeira vista, algo descabida, mas tem sua razão de ser. Conhecedor de Portugal e das novas e antigas tascas lisboetas, Ipe Moraes quis trazer para a Taberna 474 a cozinha tradicional portuguesa, embora aligeirada, com incursões pelas bodegas espanholas (mas que está muito mais presente na casa-irmã Adega do Santiago) e pelo litoral brasileiro, daí as mandiocas, as cumbucas de barro e as farofinhas.

Mas o foco é português e foi principalmente isso que me levou até lá.

[Salão e bar da Taberna 474 (foto de divulgação)]

Ninguém ainda esqueceu que no lugar da Taberna 474 existia o Bar do Léo, que ficou "famoso" no bairro por ser praticamente vizinho de uma agência de modelos. Talvez por isso mesmo, a componente bar está, de caras, muito presente na nova casa de Ipe. Começo por passar os olhos pela carta de vinhos e cervejas. 

[A carta de coquetéis  (clicar para aumentar e ler)]

Equilibrada entre opções portuguesas e espanholas (150 rótulos), não se pode dizer que seja barata, mas também não destoa dos preços atualmente praticados em São Paulo, com vinho a copo (taça) desde R$18. Cervejas são cerca de 30, entre artesanais e de casco.

[O Porto Tônico com bases para taças que levam o nome de ruas lisboetas (foto de divulgação)]

É, porém, na carta de coquetéis que a taberna logo me ganhou ao incluir o Porto Tonic (R$23) entre seus drinques. Uma óptima alternativa à gin tônica, ele leva Porto branco seco, água tônica e hortelã, sendo cada vez mais uma aposta da região do Douro (onde se produz o afamado vinho) para chegar a novos públicos que não têm o costume de beber Porto.

[O cardápio  (clicar para aumentar e ler)]

Por sua vez, no couvert da Taberna 474 agradou-me, desde logo, a inclusão de azeitonas temperadas e o preço justo (R$4,90). As amêndoas torradas, que em Portugal são servidas sobretudo como aperitivo, são um mimo que cai igualmente bem.

[Prato de Peixes Frescos e Camarão (foto de divulgação)]

Como tinha companhia para o almoço, depressa se concluiu que a melhor pedida seria mesmo compartilhar, não só como entradas mas também como pratos, vários dos Petiscos que abrem a carta. No capítulo Do Mar, fomos logo mandando vir o Prato de Peixes Frescos e Camarão (R$49). Muito bem temperados com azeite, limão e pimenta do reino, tanto os peixes como o camarão são servidos crudos, fatiados muito fininho, tal como num carpaccio. Aprovado!


[Mexilhões à Bulhão Pato (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Seguinte: Mexilhões à Bulhão Pato (R$39). Em rigor, a receita original pede amêijoas e não mexilhões, mas Ipe ainda não conseguiu arranjar um fornecedor no Brasil à altura. É pena, pois as amêijoas (desconhecidas para a maioria) resultam melhor e seu caldo é mais saboroso para juntar ao molho que leva ainda vinho branco, coentros picados, alho, azeite e pimenta. É o tipo de coisa que deve ser comida à mão e sem a menor cerimônia em enfiar logo o pão no molho.

[Espetada de Camarão, Lula e Bacon (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Alguém me conta que Ipe, numa de suas viagens a Portugal, descobriu uma receita de espetadas e não resistiu a inclui-la no cardápio. Vem com camarão, lula, bacon e folhas de louro e sai por R$42.

[Tostada de Queijo Fresco, Tomate e Tomilho (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Na seção Petiscos, opção Da Terra, é, arrisco a dizer, onde o cardápio da taberna faz uma maior cedência ao quinhão espanhol da casa, aqui presente sob a forma do jamón, das tostadas — e provei uma delas, semelhante aos torricados servidos em Portugal, com queijo fresco, tomate e tomilho (R$17) —, queijo Manchego ou ainda um toque brasileiro por conta da deliciosa Mandioca Crocante. 

[Favas com Chouriço (foto de divulgação)]

Mas o quinhão maior é luso e, em matéria de variedade pelo menos, não há do que reclamar. Entre os vários pratos, vi no cardápio Favas com Chouriço, Queijo Serra da Estrela (a montanha mais alta de Portugal, onde se produz este delicioso queijo amanteigado), Rojões (iscas de filé) à Moda da Casa ou Alheiras (a tradição manda que a carne de porco seja substituída pela carne de aves), o embutido que vem conquistando o paladar dos paulistanos.

[Salada de Camarão e Lula na Chapa, Verdes, Brotos e Manga (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Na seção de cozinha mais robusta da taberna, escolhi apenas, entre as quatro opções disponíveis, uma Salada de Camarão e Lula na Chapa, Verdes, Brotos e Manga (R$41). Uma escolha feliz para quem quer sair de consciência leve.

[Bacalhau ao Forno, Grão de Bico e Brócolis na seção de pratos mais "robustos"  (foto de divulgação)]

Mas não seria nem justo não fazer menção aos outros pratos que Ipe selecionou para o cardápio. Nas carnes, quatro bifes que honram a tradição das cervejarias lusas (por regra são filé-mignons ou contra-filés servidos com fritas, ovo frito e molhos espessos e fortes); na brasa e chapa, há bacalhau, Prime Rib, lula, polvo, mas vale a pena destacar a boa intenção da casa em servir sardinha grelhada com sal, sem maiores artifícios tal como se faz no Verão em Portugal (é um dos petiscos das festas juninas); na cozinha da taberna, o Arroz de Camarão é, por certo, uma homenagem ao Arroz de Marisco (frutos do mar) que tanto se serve do outro lado do Atlântico, mas há ainda Pataniscas de Bacalhau (empanados) com Arroz e Feijão, dois senhores pratos de bacalhau e polvo, além de uma versão própria do Arroz de Pato, entre outros.



[As Azevias com Sorvete de Coco num primeiro plano, com o Toucinho do Céu mais atrás (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Dispensei os pratos principais, mas não abri mão das sobremesas. Uma vez mais com a cumplicidade de quem me acompanhava à mesa, foram pedidas três para degustação coletiva da seguinte lista:

BOMBA DE CHOCOLATE AMARGO – R$9,00
TOUCINHO DO CÉU – R$9,00 
BOLO DE TANGERINA COM CLEMENTINE– R$8,50 
CRUMBLE DE MAÇA COM SORVETE DE GENGIBRE – R$ 12,00 
AZEVIA COM SORVETE DE CÔCO – R$ 11,00 
ARROZ DOCE – R$ 8,50 
RABANADA COM SORVETE DE BAUNILLHA – R$ 9,00 
SORBET DE TANGERINA – R$ 6,00 
SORBET DE LIMÃO SICILIANO – R$ 6,00 
PICOLÉ DILLETO – R$ 8,50 
TAÇA DA TABERNA – R$ 12,00 
FRUTAS DA ESTAÇÃO – 6,50 

O Toucinho do Céu é um dos doces mais celebrados de Portugal, mas foi criado na região de Trás-os-Montes no século XIX. Leva ovos, açúcar e amêndoas e não é nada fácil achar o ponto certo. O da Taberna estava francamente bom e foi, das que provei, a sobremesa que mais me agradou do trio.

As azevias (por regra, no recheio vai ou batata-doce ou grão), tal como as rabanadas, são doces fritos servidos sobretudo na época natalícia, por isso achei um pouco inusitado — embora não fora de propósito — vê-las como sugestão para o dia a dia. Acertada, porém, a combinação com o sorvete de coco. 

Foi me dito que o bolo de tangerina (nome por que é conhecida a mixirica em Portugal) é um dos cartões de visita da casa. Achei gostoso, mas não me entusiasmou para além da conta.

[Outro ambiente, o salão dos fundos (foto de divulgação)]

Para encerrar o repasto, um café expresso servido a preceito, com pau de canela para aromatizar. Antes de sair, aproveitei o pretexto da chuva lá fora para ficar também a conhecer o salão dos fundos da taberna, com menos cara de bar e mais ar de restaurante mesmo. 

De um modo geral, a mais nova proposta de Ipe Moraes superou até minhas expectativas. Acertos vão ser feitos, com  toda a certeza, em função da demanda e reação da clientela — e para já as opiniões ouvidas são muito favoráveis —, mas é uma releitura bem intencionada da gastronomia mais popular de Portugal e, ao torná-la acessível e próxima a um público mais jovem, presta-lhe um bom serviço.

Rua Maria Carolina, 474, Jardim Paulistano (SP), tel. 11 3062-7098, de ter. a qui., entre as 17.30 e as 12.00; de sex. a sáb., entre as 12.00 e as 00.00; ao dom., entre as 12.00 e as 22.30

2 comentários:

  1. Eu gostava mais deste blog quando você apenas viajava. Que TORTURA esse monte de delícias na minha tela!! Quando farão um monitor que a gente pode lamber, pelo menos pra ter uma idéia do gostinho??? :-)

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