28.3.12

#gastronomia: pela primeira vez em sua história, o brasil a gosto, da chef Ana Luiza Trajano, dedica menu a um outro país, portugal

[Ana Luiza Trajano, do Brasil a Gosto (foto de divulgação)]

Perdi até a conta aos anos que passaram desde que tomei contato, pela primeira vez, com a cozinha da Ana Luiza Trajano, mas recordo bem que, na época, tanto a chef como o seu restaurante em São Paulo, Brasil a Gosto, eram a bola da vez e começavam a arrecadar prêmios por conta do trabalho desenvolvido em prol da gastronomia brasileira.

Com um projeto consolidado, que não se limita à cozinha e passa também por uma envolvência social e até por algum espírito de militância (no bom sentido), Ana Luiza pode não estar hoje na primeira liga dos chefs brasileiros que dão o que falar (e escrever) dentro e fora de portas, mas é-lhe reconhecida competência, pertinência e, sobretudo, o empenho que coloca na pesquisa e na elaboração de cada novo cardápio.

[Ana Luiza Trajano (foto de divulgação)]

O Acre foi o último de uma já longa lista de regiões e estados brasileiros contemplados em seus menus, mas, desde ontem,  27 de março, o Brasil a Gosto abriu uma exceção (veremos se, doravante, ela terá ou não outras réplicas) e, pela primeira vez desde que abriu portas num sobradinho charmoso da rua Professor Azevedo do Amaral (Jardim Paulistano), foi buscar inspiração além-mar; que é como quem diz Portugal.

Tendo em conta a influência da cozinha lusa no Brasil — e a chef já admitiu que ficou surpreendida por constatar como essa influência, até pela sua disseminação, é muito mais vasta do que a maioria dos brasileiros imagina —, não se trata de um desvio radical, tampouco de uma desvirtuação, à proposta inicial de Ana Luiza Trajano no comando do Brasil a Gosto.

[Ana Luiza Trajano fotografada na Tasca da Esquina lisboeta (©bella masano, todos os direitos reservados)]

E como nasceu a ideia?

Em fevereiro, Arnaldo Lorençato, em seu blog, foi dos primeiros a revelar que a chef brasileira, a convite da portuguesa Revista de Vinhos, tinha viajado até Portugal por ocasião de um jantar de premiação dos melhores vinhos. Animada, Ana Luiza aproveitou a viagem, e a companhia de Vítor Sobral (de quem tenho falado inúmeras vezes por conta da sua Tasca da Esquina em versão paulistana), para sair atrás de receitas típicas portuguesas, tentar entender um pouco melhor as influências da "terrinha" e, a partir dai, criar a sua própria leitura dos muitos pratos que degustou e que deram origem ao novo menu temporário do Brasil a Gosto.

[Vítor Sobral e Ana Luiza Trajano (com Yan Corderon e Salvatore Loi) por ocasião do lançamento do Guia Josimar Melo de Restaurantes 2012 (foto de divulgação)] 

Mais do que anfitrião, Vítor Sobral, cada vez mais um embaixador da cozinha e dos produtos portugueses no Brasil, é o parceiro de Ana Luiza nesta empreitada, pois o menu é assinado a quatro mãos. 

Sendo o Vítor natural do Alentejo — região a sul de Lisboa, conhecida por seus vinhos, azeite, doces conventuais, embutidos e, de uma forma mais geral, por uma cozinha que, pela força das circunstâncias, se veio a revelar como uma das mais criativas do país —, claro que Ana Luiza não limitou suas andanças a Lisboa e teve até direito a um almoço de família na casa do chef, onde lhe foi dada a oportunidade de provar pratos regionais como o arroz de perdiz com hortelã e espinafres ou o duo de barriga e alcatra de porco com cogumelos e cebola. Nada porém que se compare à experiência de ter testemunhado, ao vivo e a cores, o ritual da matança do porco (e quem conhece Sobral sabe que ele mete mesmo a faca e sabe, como poucos, desmanchar um bicho) e do preparo das carnes para os embutidos.

[Paleta de porco em baixa temperatura ao molho de melaço e quiabo, purê de abóbora e tangerina (foto de divulgação)]


Trajano provou um pouco de tudo, mas os doces de ovos, a carne de porco preto e a grande variedade de frutos do mar — Portugal bate-se neste momento para ver seu peixe e frutos do mar reconhecidos como os melhores do mundo — foram suas perdições.

Mas passemos ao menu propriamente dito que os preliminares já vão longos. Além de Sobral, outra parceria de peso é a do azeite português Andorinha (não por acaso o mesmo que é servido na Tasca da Esquina), usado na composição e harmonização dos pratos.

[Os bolinhos de bacalhau como petisco (foto de divulgação)]

Composto por petisco, uma entrada, duas sugestões de prato principal e uma sobremesa, o menu completo, quando harmonizado com vinhos portugueses, sai a R$ 230 por pessoa.

[sardinha portuguesa com um detalhe delicioso: a salada é servida numa lata de conserva Ramirez customizada (foto de divulgação)]

Petisco: bolinho de bacalhau (R$ 44) com o vinho Conde de Barcelos Branco 2010 (Adega Barcelos/Vinho Verde – R$ 68)
Entrada: sardinha portuguesa em salmoura com salada de legumes ao molho vinagrete de coentro e hortelã (R$ 48). 
Sugestões de prato principal: açorda de camarão (R$ 92) – prato típico da região do Alentejo a base de sopa, pão, coentro e frutos do mar como camarão e mexilhão — harmonizado com o vinho Paulo Laureano Premium Rose 2010 (Paulo Loreano/Alentejo – (R$ 70) 
ou 
Paleta de porco em baixa temperatura ao molho de melaço e quiabo, purê de abóbora e tangerina (R$ 68) com o vinho Splendidus Vitor Sobral Tinto 2009 (Paulo Laureano/Alentejo – R$ 98)
Sobremesa: Encharcada com pavê gelado de creme de nata, maracujá e suspiro (R$ 26) com o vinho Moscatel Roxo 2006 (Horácio Simões/Setúbal – R$ 30 - taça)

E quem for degustar o menu poderá ainda apreciar, no espaço do restaurante, o trabalho da designer Julia Fraia, que, inspirada nos azulejos portugueses, criou uma série de peças  reunidas na exposição “Ora Pois” — a propósito, fica o desabafo: um dia, os brasileiros ainda vão entender que esta expressão caiu em desuso e que até dói no ouvido dos portugueses que, como eu, não só nunca a usaram como nem sequer se lembram de a ter escutado...

Rua Professor Azevedo do Amaral, 70, Jardim Paulistano (SP), tel. (11) 3086-3565

7.3.12

#novidade: .oztel, o mais recente albergue estiloso de botafogo, é bom antídoto para os preços exorbitantes do rio (RJ)

[O bar é um dos pontos fortes do novo .oztel, no Rio (©felipe moronizi)]


Meses atrás, chegou-me aos ouvidos um zunzum que dava conta de um novo albergue, ou hostel como todos agora falam e escrevem, lá para os lados do bairro de Botafogo, na "Cidade Maravilhosa".

[O novo projeto não passa desapercebido em Botafogo (©felipe moronizi)]

Na época, até tuitei a esse respeito, não muito certo quanto ao que estaria para vir, a não ser o fato de que já então era dada como certa a sua ligação a dois outros projetos existentes, o MeZa Bar e o DoiZ, ambos conhecidos, entre outras coisas, pelos seus bons drinques como dizia a outra.

[Layout personalizado e atrevido, com ilustrações e frases marcantes (©felipe moronizi)]

Pois é, há um novo Z na cidade — depois do primeiro hostel da cidade, instalado no Leblon, ter optado por se chamar Z.Bra, precisamente — que corresponde a .oztel (é assim mesmo a grafia).

[O bar está aberto ao público para atrair cariocas (©felipe moronizi)]

Cada um é para o que nasce, inclusive os viajantes. Confesso que nem é mais uma questão de ter ou não idade; é mesmo porque nunca fiz muito a linha "viajante mochileiro". Mas, de repente, um albergue da nova geração, bem bolado (inclusive em matéria de design low cost), bem localizado e bem intencionado não me deixa (de todo) indiferente.

[O .oztel dispõe de uma área exterior com 120 metros de mata (©felipe moronizi)]

Sobretudo quando acabo de ler uma matéria, baseada num estudo recente com dados de 2011, que aponta o Rio de Janeiro, num conjunto de 30 cidades internacionais analisadas, como a sexta mais cara do mundo no que a diárias se refere (uma média de R$326, sendo que já foram encontrados casos de hotéis de duas estrelas a cobrar diárias de R$600!).

[Os detalhes contam muito, e até mesmo os banheiros são personalizados (©felipe moronizi)]

Por isso mesmo, um endereço descolado, com diárias entre R$45 e R$250 (fora de temporada e dos feriados, fica a ressalva) é uma super boa nova.

[O lounge (©felipe moronizi)]

Idealizado, segundo o press release, por quatro amigos — Andrea Franco (produtora artística), Fabio Battistella (chefe de cozinha, ele também comanda os fogões do MeZa e do DoiZ), Fernando Blower e Paolo Kury (advogados) —, o .oztel não quer ser só mais um albergue, no bom velho esquema de cama lavada e café da manhã. 

[Uma mesa original concebida por Carol Gay (foto de divulgação)]

O lema é "feel good stay", o que, na prática, passa por não limitar a oferta à hospedagem, colocando igualmente o foco na interação, no entretenimento e no conteúdo através de mostras de arte e vernissages, aulas de gastronomia e coquetelaria, aniversários  ou ainda pequenos eventos.

[Outra peça especial do .oztel, o lustresaara (foto de divulgação)]

No fundo, além dos hóspedes de passagem pelo Rio, o .oztel quer também fidelizar uma clientela carioca, apostando num bar público que fica aberto todos os dias e oferece uma carta de drinques caprichados.

[A Suite Paquetá (foto de divulgação)]

Instalado na rua Pinheiro Guimarães, com vista para o Cristo Redentor e a poucos minutos da praia de Copacabana, o mais novo hostel do pedaço quer ainda servir de guia sem cair no mais óbvio. Entre as sugestões de passeio incluem a favela Dona Marta, o baile charme do Viaduto de Madureira, a Vila Mimosa, o baile funk da Rocinha, jogos de futebol e escolas de samba.

[A Suite Amor de Madre (©felipe moronizi)]

Sem ter passado por lá, é claro que fica complicado transmitir maiores impressões, mas, assim à partida, outra coisa que me agrada é ter apenas 48 vagas, repartidas não só por dormitórios (para seis, oito ou 14 pessoas), mas também por seis suites de casal para quem deseja um pouco mais de privacidade e conforto. Todos são personalizados, com layout moderno e diferentes tipos de inspiração.

[Um dos dormitórios (foto de divulgação)]

Nas áreas comuns, além do bar, da sanduicheria ou da sala de televisão, destaque, no exterior, para os 12o metros de mata que vai até ao Morro do Cabrito e que são usados para relaxar e praticar esportes radicais.

Rua Pinheiro Guimarães, 91, Botafogo (RJ), tel. (0)21 3042-1853, diárias entre R$45 e R$250 (fora de temporada e dos feriados)

2.3.12

#gente em destaque: à conversa com josé barattino, chef do emilano, a propósito da 2ª edição do market day (SP)

[José Barattino, o chef que dá a cara pela cozinha sustentável no Brasil (foto de divulgação)]

Nem de propósito.

Há tempos que venho adiando, cheio de remorsos, um post para transcrever pelo menos parte da conversa super interessante que tive com o josé Barattino, chef do restaurante do hotel Emiliano, quando da minha última passagem por São Paulo.

Acho que me faltava um pretexto de peso. Faltava, escrevi bem, pois não falta mais.

[Barattino, ao centro, com parte dos pequenos produtores que participam no Market Day do Emiliano (foto de divulgação)]


No próximo domingo, dia 4 de março, o Emilano vai acolher a 2ª edição do Market Day, disposto a repetir o sucesso e a conseguir uma adesão ainda maior à ideia de promover um contato direto entre consumidores e pequenos produtores.

[Diversidade de ingredientes, mas um princípio comum: são todos orgânicos (foto de divulgação)]

Com a devida licença poética, o evento lembra, com suas bancas de toldos listrados, uma típica feira de rua, mas em versão refinada (afinal estamos a falar de um dos endereços mais chiques da capital paulista), um pouco à imagem e semelhança dos mercadinhos gourmets que o nosso imaginário associa ao sul da França. 

[A ideia do Market Day é levar o consumidor a contatar diretamente com os pequenos produtores (foto de divulgação)]

Claro, o Market Day acaba sendo também uma vitrine para o Emiliano dar a conhecer suas tendências gastronômicas, seu restaurante e sua filosofia,  mas é mais do que apenas uma oportunidade de fazer negócio ou do hotel fazer média à conta de uma ação bacana.

[Os vinhos biodinâmicos são outra das apostas do Emiliano no Market Day (foto de divulgação)]

Aberto ao público, este evento quer, antes de tudo o resto, conscientizar o consumidor sobre a importância de uma boa alimentação e pregar os benefícios dos ingredientes orgânicos produzidos segundo os princípios da agricultura biodinâmica.

[Barattino gosta de conhecer a origem dos produtos que utiliza em sua cozinha (foto de divulgação)]

Dito assim pode até parecer um monte de "palavrões" só para impressionar, mas quem conhece José Barattino sabe que não é da boca pra fora. Há quase sete anos no Emiliano (antes de ser o titular, ele integrou a equipe de Francesco Carlo), Barattino tornou-se, nos últimos tempos, um dos nomes mais engajados da cozinha sustentável no Brasil.

[As sacolas de grife Emiliano depois de "fazer" a feira (foto de divulgação)]

Uma bandeira que ele carrega de bom grado: "Eu nasci e vivi sempre em cidade. Já sou de uma geração de cozinheiros que não mata porco, galinha... Isso começou a me incomodar", conta o chef.

No início, sua preocupação não tinha tanto a ver com sustentabilidade, mas sim com qualidade. Barattino queria fazer uma cozinha de qualidade, conectada com a sazonalidade, e isso obrigou-o a olhar para os ingredientes de outra forma: "Eu tenho de estar preocupado com a abobrinha desde o primeiro momento, logo quando ela é produzida, mas o brasileiro ainda não está habituado à sazonalidade", desabafa.

O primeiro passo foi garimpar uma lista de pequenos fornecedores no estado de São Paulo que se mostrassem dispostos a produzir organicamente e a abastecer diretamente o Emiliano. Não foi fácil, mas a parceria deu tão certo que hoje são já cerca de 700 os pequenos produtores reunidos no projeto Família Orgânica. Com a ajuda do Emiliano, eles não só produzem de forma sustentada (apostando inclusive em novas sementes), como lucram com um negócio de delivery nos Jardins, em São Paulo.

[A sala do restaurante do Emiliano (foto de divulgação)]

É um trabalho ainda com muito chão pela frente e Barattino tem consciência disso mesmo: "Temos uma potencialidade de ingredientes muito grande, mas há no Brasil uma grande deficiência histórica a esse nível. Não temos ainda uma culinária forte. Mas vai chegar uma hora em que poderemos dizer que temos uma gastronomia com a cara do Brasil", remata confiante.

 
[A capa do Paladar, de 16 de fevereiro, em que se falou de uma nova linha de produtos brasileiros (direitos reservados)]

E não está sozinho. Alex Atala, outro nome incontornável da sustentabilidade verde e amarela, foi notícia há pouco tempo, no caderno "Paladar" do Estadão, por se ter tornado curador de Retratos do Gosto, uma nova linha de produtos e ingredientes brasileiros de pequenos produtores. É a bola da vez.

Mas volto a Barattino. Por enquanto, sua batalha em prol de uma cozinha mais autêntica passa por iniciativas como o Market Day do Emiliano e por criar para o restaurante "menus com um visual e uma delicadeza mais naturais que permitem a inclusão de ingredientes como raiz do lírio-do-brejo [sabor floral] ou serralha [planta comestível muito rica em vitaminas e que melhora a digestão]".

Afinal, como bem diz o chef, "hoje um restaurante é, cada vez mais, uma experiência lúdica".

Market Day | Hotel Emiliano, rua Oscar Freire, 384, São Paulo, tel. (0)11 3069-4369. O evento acontece dia 4 de março de 2012, entre as 12.00 e as 16.00
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