19.10.11

#gastronomia: tenda do nilo no paraíso (SP)

[Olinda Ispe, atrás do balcão, é, juntamente com a irmã Xmune, a alma da Tenda do Nilo, no bairro paulistano do Paraíso (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]
É um tal de habib para aqui, de "bem-vindo" para acolá, entre outras tantas mesuras, que dá até para desconfiar.

Mas, o que poderia soar a exagero ou a falso noutros lugares, na Tenda do Nilo é, mais do que uma marca registrada da casa, uma prática genuína de bem receber.

E não é, acreditem, da boca pra fora.

A Tenda do Nilo, especializada em cozinha sírio-libanesa, é dos restaurantes árabes mais celebrados e premiados de São Paulo. E, ainda assim, quem o conhece de outros carnavais sabe que o espaço, quase tosco de tão simples e desprovido de vaidade, pouco ou nada mudou com o passar do tempo.

Estive anos sem lá ir, mas dias atrás reencontrei-o no mesmo endereço modesto de sempre, no Paraíso, na esquina das ruas Coronel Oscar Porto e Abílio Soares. Dentro, mal cabem meia dúzia de mesas, pelo que os restantes lugares, não mais do que 25 no total, se distribuem como dá pela calçada em frente. 

Aos sábados, mais do que certo, fica lotado e só quem sabe muito bem ao que vai não desespera enquanto espera por uma vaga.

[O premiado quibe assado (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Muitos chegam recomendados por amigos; outros vêm embalados pelo que leram ou ouviram a respeito; e há ainda quem venha, qual São Tomé, ver para crer se o quibe frito ou o falafel são, de fato, os melhores de São Paulo como louvam os sucessivos prêmios. A maioria, porém, é cliente de muitos anos e conhece o cardápio de olhos fechados.

[O falafel no prato (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

O segredo do sucesso, há muito desvendado, assenta numa dupla que se tem revelado infalível: as irmãs Xmune e Olinda Isper. A primeira ocupa-se da cozinha e a segunda faz as honras da casa. É assim desde sempre e quem ali vai quer isso mesmo e até estranha se não derem palpites sobre as escolhas ou sobre a forma como se come os vários quitutes.

A Tenda do Nilo não é o lugar mais indicado para quem gosta de comer quieto no seu canto sem interagir com quem está lá para bem servir. 

Mas, sem mais tardar, vamos ao que realmente interessa: a comida.

Adianto-me: é realmente muito boa e nada do que ali comi recentemente defraudou as memórias que guardava. Surpresa, só mesmo a conta final (quase R$70, sendo que estava sozinho). Sim, os preços subiram à cabeça de São Paulo e a Tenda do Nilo, que pode até resistir a modismos e se manter low key, não se faz mais rogada em cobrar caro como os demais restaurantes top da cidade.

Mas isso acaba sendo um detalhe. Importante mesmo é a qualidade da comida e a sensação de aconchego.

O cardápio detalhado pode ser consultado aqui. Nos frios, como entrada, mandei vir o quibe frito (sequinho, com um recheio delicioso, com os temperos muito bem harmonizados) e uma esfiha fechada de carne (também há de ricota e verdura). Ao contrário de outros árabes, não servem esfihas abertas.


[A premiada esfiha fechada de carne por fora e por dentro (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Nos pratos quentes, o Trigo com Costela de boi desfiada ou o Charuto de Uva são os dois principais carros-chefe da casa (há também uma versão meio a meio que permite combiná-los), mas acabei por sucumbir a outra especialidade da casa, mais do que aprovada: o falafel no prato. Sei que falafel virou uma sanduíche quase banal, de tão servida em vários pontos, mas esta versão no prato vale muito, muito a pena.

[A sobremesa Mil e Uma Noites coberta por uma farofa de pistache (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Nas sobremesas, nem hesitei. A saudade ditou que me esbaldasse, sem culpas, na maior, mais cara (ela custa praticamente o mesmo que um prato, R$21) e mais generosa de todas: Mil e Uma Noites. Já houve quem a considerasse a melhor da cidade. Não vou tão longe, mas que regala a vista e o estômago, isso regala.

[As várias camadas da sobremesa Mil e Uma Noites (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

No fundo, são duas camadas: bolo de semolina, embebido em água de flor de laranjeira, como base, e uma cobertura fofa de ashtalie, creme à base de nata, polvilhada com pistache moído. Para encerrar, e não poderia ser de outro modo, um legítimo café turco, perfumado com cardamomo. 

Saí satisfeito, mas não resisto a compartilhar um último pormenor. Na hora de pagar, como é da praxe, Olinda veio à minha mesa e ficou-me olhando... Hoje todo o mundo tira fotos dos pratos para colocar nas redes sociais, mas, ainda assim, olhos treinados aprenderam a identificar jornalistas à légua. 

[A borra deixada pelo café turco, boa para quem gosta de ler nas entrelinhas da vida (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Até ai nada de extraordinário, afinal a Tenda do Nilo é visitada regularmente por profissionais do mundo inteiro (o jornal britânico The Guardian não fez por menos e o colocou na lista dos 10 melhores restaurantes de São Paulo). 

Na verdade, o que me tocou foi o fato dela me reconhecer, passados tantos  anos, o que só veio reforçar o sentimento de que, exageros à parte, o tratamento caloroso e personalizado não é, mesmo, da boca pra fora. Ponto para eles. Ou melhor, para elas.

Rua Coronel Oscar Porto, 638, tel. 11 3885-0460, de seg. a sáb., entre as 12.00 e as 15.45

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