[Ana Luiza Trajano, do Brasil a Gosto (foto de divulgação)] |
Perdi até a conta aos anos que passaram desde que tomei contato, pela primeira vez, com a cozinha da Ana Luiza Trajano, mas recordo bem que, na época, tanto a chef como o seu restaurante em São Paulo, Brasil a Gosto, eram a bola da vez e começavam a arrecadar prêmios por conta do trabalho desenvolvido em prol da gastronomia brasileira.
Com um projeto consolidado, que não se limita à cozinha e passa também por uma envolvência social e até por algum espírito de militância (no bom sentido), Ana Luiza pode não estar hoje na primeira liga dos chefs brasileiros que dão o que falar (e escrever) dentro e fora de portas, mas é-lhe reconhecida competência, pertinência e, sobretudo, o empenho que coloca na pesquisa e na elaboração de cada novo cardápio.
[Ana Luiza Trajano (foto de divulgação)] |
O Acre foi o último de uma já longa lista de regiões e estados brasileiros contemplados em seus menus, mas, desde ontem, 27 de março, o Brasil a Gosto abriu uma exceção (veremos se, doravante, ela terá ou não outras réplicas) e, pela primeira vez desde que abriu portas num sobradinho charmoso da rua Professor Azevedo do Amaral (Jardim Paulistano), foi buscar inspiração além-mar; que é como quem diz Portugal.
Tendo em conta a influência da cozinha lusa no Brasil — e a chef já admitiu que ficou surpreendida por constatar como essa influência, até pela sua disseminação, é muito mais vasta do que a maioria dos brasileiros imagina —, não se trata de um desvio radical, tampouco de uma desvirtuação, à proposta inicial de Ana Luiza Trajano no comando do Brasil a Gosto.
[Ana Luiza Trajano fotografada na Tasca da Esquina lisboeta (©bella masano, todos os direitos reservados)] |
E como nasceu a ideia?
Em fevereiro, Arnaldo Lorençato, em seu blog, foi dos primeiros a revelar que a chef brasileira, a convite da portuguesa Revista de Vinhos, tinha viajado até Portugal por ocasião de um jantar de premiação dos melhores vinhos. Animada, Ana Luiza aproveitou a viagem, e a companhia de Vítor Sobral (de quem tenho falado inúmeras vezes por conta da sua Tasca da Esquina em versão paulistana), para sair atrás de receitas típicas portuguesas, tentar entender um pouco melhor as influências da "terrinha" e, a partir dai, criar a sua própria leitura dos muitos pratos que degustou e que deram origem ao novo menu temporário do Brasil a Gosto.
[Vítor Sobral e Ana Luiza Trajano (com Yan Corderon e Salvatore Loi) por ocasião do lançamento do Guia Josimar Melo de Restaurantes 2012 (foto de divulgação)] |
Mais do que anfitrião, Vítor Sobral, cada vez mais um embaixador da cozinha e dos produtos portugueses no Brasil, é o parceiro de Ana Luiza nesta empreitada, pois o menu é assinado a quatro mãos.
Sendo o Vítor natural do Alentejo — região a sul de Lisboa, conhecida por seus vinhos, azeite, doces conventuais, embutidos e, de uma forma mais geral, por uma cozinha que, pela força das circunstâncias, se veio a revelar como uma das mais criativas do país —, claro que Ana Luiza não limitou suas andanças a Lisboa e teve até direito a um almoço de família na casa do chef, onde lhe foi dada a oportunidade de provar pratos regionais como o arroz de perdiz com hortelã e espinafres ou o duo de barriga e alcatra de porco com cogumelos e cebola. Nada porém que se compare à experiência de ter testemunhado, ao vivo e a cores, o ritual da matança do porco (e quem conhece Sobral sabe que ele mete mesmo a faca e sabe, como poucos, desmanchar um bicho) e do preparo das carnes para os embutidos.
[Paleta de porco em baixa temperatura ao molho de melaço e quiabo, purê de abóbora e tangerina (foto de divulgação)] |
Trajano provou um pouco de tudo, mas os doces de ovos, a carne de porco preto e a grande variedade de frutos do mar — Portugal bate-se neste momento para ver seu peixe e frutos do mar reconhecidos como os melhores do mundo — foram suas perdições.
Mas passemos ao menu propriamente dito que os preliminares já vão longos. Além de Sobral, outra parceria de peso é a do azeite português Andorinha (não por acaso o mesmo que é servido na Tasca da Esquina), usado na composição e harmonização dos pratos.
[Os bolinhos de bacalhau como petisco (foto de divulgação)] |
Composto por petisco, uma entrada, duas sugestões de prato principal e uma sobremesa, o menu completo, quando harmonizado com vinhos portugueses, sai a R$ 230 por pessoa.
[sardinha portuguesa com um detalhe delicioso: a salada é servida numa lata de conserva Ramirez customizada (foto de divulgação)] |
Petisco: bolinho de bacalhau (R$ 44) com o vinho Conde de Barcelos Branco 2010 (Adega Barcelos/Vinho Verde – R$ 68)
Entrada: sardinha portuguesa em salmoura com salada de legumes ao molho vinagrete de coentro e hortelã (R$ 48).
Sugestões de prato principal: açorda de camarão (R$ 92) – prato típico da região do Alentejo a base de sopa, pão, coentro e frutos do mar como camarão e mexilhão — harmonizado com o vinho Paulo Laureano Premium Rose 2010 (Paulo Loreano/Alentejo – (R$ 70)
ou
Paleta de porco em baixa temperatura ao molho de melaço e quiabo, purê de abóbora e tangerina (R$ 68) com o vinho Splendidus Vitor Sobral Tinto 2009 (Paulo Laureano/Alentejo – R$ 98)
Sobremesa: Encharcada com pavê gelado de creme de nata, maracujá e suspiro (R$ 26) com o vinho Moscatel Roxo 2006 (Horácio Simões/Setúbal – R$ 30 - taça)
E quem for degustar o menu poderá ainda apreciar, no espaço do restaurante, o trabalho da designer Julia Fraia, que, inspirada nos azulejos portugueses, criou uma série de peças reunidas na exposição “Ora Pois” — a propósito, fica o desabafo: um dia, os brasileiros ainda vão entender que esta expressão caiu em desuso e que até dói no ouvido dos portugueses que, como eu, não só nunca a usaram como nem sequer se lembram de a ter escutado...
Rua Professor Azevedo do Amaral, 70, Jardim Paulistano (SP), tel. (11) 3086-3565